Bem Estar

Após repúdio de jornalistas, alunos e professores, direção desiste de tornar escola Vladimir Herzog em cívico-militar

Você sabe quem foi Vladimir Herzog? Foi um jornalista da TV Cultura que foi “suicidado” pela ditadura militar do Brasil. Sim, ele foi morto por militares que disseram que tinha se enforcado na cadeia. A foto divulgada na época mostrava ele ajoelhado com a corda no pescoço. Muito fácil alguém se matar deste modo em uma altura que cabia de joelhos. 

 

Em São Bernardo, na Vila Duzzi, região central, uma foi batizada como Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog no início dos anos 1980. É uma das mais conhecidas da cidade e já foi há algum tempo não muito distante, uma das melhores. Eu, inclusive, estudei nela praticamente toda a vida escolar. 

Mas, parece que quem dirige a escola hoje não sabe quem foi Vladimir Herzog, conhecido também como Vlado. A diretora Cristiane Meire respondeu a um chamado do governo estadual, comandado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas e aceitou que o colégio se transformasse em uma escola cívico-militar. Chamar de absurdo é pouco. Parece provocação, como definiu uma amiga e ex-aluna do local. Um jornalista que foi assassinado por militares golpistas batizar uma escola cívico-militar é matar Herzog outra vez.

 

A diretora não deve saber, mas a viúva do jornalista Clarice Herzog visitou a escola algumas vezes, inclusive quando eu ainda estudava lá. O colégio também promovia festivais de rock, o famoso Festivlado que reunia uma turminha de outras escolas de diversas escolas para apresentações de música, e de rebeldia, o que é normal em jovens e em escolas. Os alunos tinham orgulho de estudar no local que tem o nome de uma pessoa com o Vlado, que lutou pela liberdade, pela cultura, pois também era cineasta, características bem diferentes das de uma escola cívico-militar. 

Herzog nasceu da Iugoslávia em 27 de junho de 1937, mas veio ainda criança para o Brasil, onde se naturalizou. Sua morte ocorreu em 25 de outubro de 1975, aos 38 anos, no governo do general Ernesto Geisel. Tida como “suicídio” pelos militares, anos mais tarde foi reconhecida como um assassinato. 

Após consternação de jornalistas, professores, alunos e do Instituto Jornalista Vladimir Herzog, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo informou nesta segunda-feira, 22 de julho, que a direção da escola decidiu rever a posição e desistiu de transformar o local em uma escola cívico-militar. De certo alguém mostrou à direção da escola o histórico do patrono. 

 

 

Repercussão

Em carta divulgada sexta-feira, 19 de julho, o instituto Vladimir Herzog mostra  repúdio ao projeto. Veja carta na íntegra

“O Instituto Vladimir Herzog vem a público demonstrar novamente profunda preocupação com o avanço do projeto de lei das escolas cívico-militares na rede pública do Estado de São Paulo. Na quinta-feira (18), a Secretaria de Educação de São Paulo (Seduc-SP) divulgou um edital para a abertura de uma consulta pública para saber a opinião da comunidade escolar sobre a implementação do novo modelo de ensino. A Seduc também listou as escolas estaduais que podem participar do processo de escuta. Despertou nossa atenção e indignação a presença da Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog, localizada em São Bernardo do Campo, na lista das unidades de ensino interessadas em atuar no modelo.

É uma afronta inadmissível a mera cogitação de que seja militarizada uma escola que leva o nome de Vladimir Herzog, jornalista brutalmente assassinado por agentes da ditadura civil militar instaurada em 1964. Tal projeto, de cunho autoritário e abominável, desrespeita e fere a história, o legado e os valores democráticos defendidos por Vlado em vida. Assim, nós do Instituto Vladimir Herzog, organização comprometida com os valores democráticos e que há 15 anos preserva o legado de vida de Vlado, não pouparemos esforços para impedir que esse projeto seja implementado na escola em questão.

Em nenhum país verdadeiramente democrático, teríamos a associação – ainda que simbólica –, de um nome como o do jornalista Vladimir Herzog, a uma escola de ensino cívico-militar. Esse projeto de poder, que busca promover o apagamento da nossa história de violência, não prosperará enquanto verdade. Militares, que no passado perpetraram um golpe de estado e implementaram a censura no país, não devem ter lugar em nossas escolas. Convidamos toda a comunidade escolar, entidades educacionais, organizações de direitos humanos e todos os cidadãos comprometidos com a democracia, para se manifestarem contra a militarização das escolas públicas. Exigimos justiça e respeito ao nome de Vladimir Herzog”.

No mesmo dia, o Ministério Público e a Defensoria do Estado de São Paulo deram entrada a uma ação para que a Justiça anule o regulamento da Secretaria Estadual da Educação que prevê a implementação de escolas cívico-militares a partir de 2025.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) também repudiou a opção da direção da escola, considerada uma afronta à memória do jornalista e como uma agressão a seus familiares, amigos e à categoria profissional.

Ao assumir um cargo de gestão ou também de licenciatura, os profissionais devem, no mínimo, conhecer a história da escola. Saber quem foi a pessoa que dá o nome ao colégio e  tudo o que foi vivido pelos alunos no local para que erros como esse não corram o risco de passar. 

E hoje, 22 de julho, ao passar pela escola para registrar a foto da matéria, mais uma tristeza. O nome, digno de orgulho,  que ficava no portão, bem grande para todos verem, está em uma das entradas fechadas, exigindo que seja localizado. 

 

Fotos: Theo Lucano/Eagle News e reprodução

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